Dando continuidade à cobertura da tragédia que se abateu sobre Xanxerê e Ponte Serrada, o Jornal de Santa Catarina, em sua edição de 25 e 26/04/2015, enalteceu o esforço das vítimas para se reerguer e provocou uma reflexão sobre o que se pode aprender de um evento destes com vistas ao futuro.
Imagem mostra a devastação pós-tornado em Xanxerê e coloca em xeque área de abrangência de radares e a estrutura da Defesa Civil em cada município - Fig. 1
VICTOR PEREIRA
Ponte Serrada/Xanxerê
Em meio à dor no Oeste catarinense, talvez apenas um sentimento divida espaço com a esperança: o apego. Não apego ao material, porque esse faria ainda menos sentido do que o habitual nas circunstâncias que castigam Xanxerê e Ponte Serrada. Mas sim o apego à terra, aos seus. O apego à vida que se leva. Veja nesta página histórias de quem está deixando de lado a tristeza para dar voz ao espírito da reconstrução.
EUGÊNIA, Ponte Serrada - Fig. 2
Eugênia Laureano, o marido e os dois filhos estavam em Concórdia na hora do fenômeno e quando chegaram não havia mais nada a fazer. A não ser seguir em frente. Em meio ao cenário de perda total do que levou anos para construir, ela levanta a cabeça para enfrentar o futuro:
- Na verdade não perdemos nada, porque não perdemos a vida - encerra Eugênia, com uma sabedoria de quem não aceita a desistência como uma opção.
Unidos Venceremos. Esse é o nome do bairro onde Eugênia mora. Nada mais apropriado. Unidos na dor. Unidos na esperança da reconstrução.
DERCÍLIA, Xanxerê - Fig. 3
Assim como em todas as regiões afetadas pelo tornado, as famílias do bairro Tacca, em Xanxerê, enfrentam inúmeras dúvidas sobre o futuro. O lugar onde vão recomeçar não é uma delas.
- A casa em que eu morava, o vento derrubou. A outra casa, que eu alugava, será demolida. Mas vamos reconstruir tudo e ficar aqui, porque aqui está a minha família, a minha vida, a minha história - diz Dercília de Freitas, que se escondeu com a neta no porão da casa agora destruída.
LÚCIA, Ponte Serrada - Fig. 4
Bastam alguns minutos para mostrar ao mundo que Ponte Serrada precisa de ajuda para que um sentimento muito maior aflore: a esperança.
- Perdemos a casa, mas a gente tem muita beleza e simpatia - diz uma moradora ao sorrir.
- Tem que rir, porque chorar não adianta - complementa Lúcia de Moraes, que estava sozinha na casa do filho e da nora quando o tornado atingiu a localidade.
Em novembro de 2008, após dois meses de chuva, 40 municípios catarinenses viveram uma catástrofe climática - Fig. 5
Foi quando a catástrofe de 2008 atingiu Blumenau - e outras cidades do Vale do Itajaí - que a Defesa Civil da cidade percebeu a necessidade de mudar e se especializar para prever e responder com rapidez os ataques da natureza. Foram quase dois meses de chuvas que culminaram em 135 mortes, 40 municípios afetados e muita destruição, pois além da enchente, a terra deslizava dos morros de tão encharcada.
Apesar do plano de contingência da cidade existir desde 1989, foi apenas a partir da catástrofe que a Defesa Civil se especializou e passou a monitorar áreas com risco de deslizamentos, explica o secretário de Defesa do Cidadão, Marcelo Schrubbe. Na tragédia daquele ano só Blumenau registrou 2 mil pontos de escorregamento de terra que deixaram 21 mortos.
- Nós até tínhamos conhecimento em enchentes graduais, mas não em deslizamentos. Assim como as enchentes de 1983 e 1984 serviram para criar a Defesa Civil em Blumenau, 2008 ajudou a transformar, a dar o passo seguinte e nos trazer essa experiência - analisa Schrubbe.
Hoje a Defesa Civil de Blumenau funciona na prefeitura e é vinculada à Secretaria de Defesa do Cidadão, com a estratégia de centralizar os trabalhos, e conta com 63 profissionais. Para se especializar nas necessidades de Blumenau foi criada a Diretoria de Geologia, Análise e Riscos Naturais, direcionada a monitorar as áreas de risco e o Sistema de Monitoramento e Alerta de Eventos Extremos de Blumenau (Alertablu).
A primeira atua com orientação e fiscalização de construções para evitar que áreas de risco sejam ocupadas e na identificação de áreas mais vulneráveis. Já o Alertablu (alertablu.cob.sc.gov.br), mostra em tempo real dados das chuvas, nível do Rio Itajaí-Açu, previsão do tempo, atividades nas barragens em Taió e Ituporanga e alertas meteorológicos.
Para operar o sistema foram contratados profissionais especializados: hoje são três meteorologistas e cinco técnicos.
CAPACITAÇÃO E MELHOR COMUNICAÇÃO AMENIZARIAM
Mesmo não tendo como conter um evento das dimensões do tornado que atingiu Xanxerê e Ponte Serrada, algumas medidas de prevenção podem ser tomadas para amenizar o impacto deste evento. O coordenador da Defesa Civil de Ponte Serrada, Robson Acunha, relatou a falta de estrutura para atendimento, com apenas três pessoas da Defesa Civil e seis bombeiros no município.
- Tínhamos pouca estrutura para dar resposta para a população, o tornado foi na segunda e algumas coisas conseguimos atender só sexta - disse Acunha.
Ele também ressaltou a necessidade de preparar a população para se proteger num temporal. Lembrou que Ponte Serrada já é feito um trabalho educacional e isso pode ter contribuído para evitar mortes com o tornado.
Em Xanxerê, o major Walter Parizotto, comandante dos Bombeiros, disse que muitas pessoas, em vez de procurar proteção, começaram a filmar o tornado. Mas o principal problema foi a falta de comunicação.
- Ficamos de quatro a cinco horas sem comunicação - afirmou.
Mensagens via celular mandadas por volta das 20h foram recebidas só às 5h do dia seguinte. Parizotto disse que o tornado vai mudar a maneira do poder público pensar. Além de radar para alertar, é necessário prever estrutura de proteção.
Para o coordenador da Defesa Civil na região de Xanxerê, Luciano Peri, houve uma mobilização e resposta imediata ao desastre e a integração de vários órgãos. Mas ele vê a necessidade de mais capacitação para eventos dessa proporção.
- Precisamos estar melhor treinados, para entender o evento com mais agilidade - disse Peri.
EM ITAJAÍ, SISTEMA AVISA SOBRE ENCHENTE VIA CELULAR E PLACAS SOLARES GARANTEM COMUNICAÇÃO
Em Itajaí funciona, desde 2011, o Projeto Alerta SMS, uma maneira que a Defesa Civil do município encontrou para informar os moradores de áreas mais propensas a enchentes em momentos de crise. Segundo o coordenador do órgão, Everlei Pereira, há cerca de 150 famílias cadastradas no projeto, todas residentes em oito áreas mapeadas como vulneráveis e monitoradas constantemente. Já houve a intenção de expandir o projeto para toda a cidade, mas a administração recuou:
- Tentamos fazer um cadastro aberto, mas decidimos elencar os pontos prioritários porque seria um custo desnecessário, já que em outras áreas as pessoas têm mais acesso a outras fontes de informação.
MORADOR FAZ CADASTRAMENTO
Para receber os alertas o morador da cidade só precisa cadastrar o número do celular no site da Defesa Civil de Itajaí. O envio da mensagem é gratuito e automático, ou seja, quando o rio atinge a cota cadastrada limite da rua, os moradores interessados recebem um alerta em forma de mensagem de texto.
Além da criação do sistema, o coordenador afirma que a Defesa Civil investiu de forma intensa na estrutura para garantir que as informações não saiam do ar por falta de energia. O abastecimento é feito por placas solares e baterias, o que faz com que o sistema permaneça em funcionamento.
Medidas preventivas em caso de tornado - Fig. 6
Fonte: Jornal de Santa Catarina - Notícias - 25 e 26/04/2015 - p. 4-11
Imagens: Marco Favero (Fig. 1, 2, 3 e 4) + Gilmar de Souza - BD - 30/11/2008 (Fig. 5) + Fábio Nienow (Fig. 6)