segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Oeste: Liderança na produção de energia - jan 2018



     Com metade das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Centrais de de Geração Hidráulica (CGHs) em operação e aporte de R$ 134 milhões para financiamento de obras nos últimos dois anos, o Oeste de Santa Catarina aposta na geração de energia como novo vetor de desenvolvimento econômico. A região, que já é forte no agronegócio e em tecnologia e inovação, busca tirar proveito do relevo acidentado e da boa quantidade de água dos rios para suprir uma demanda nacional. E já começa em alta: conta com um terço dos recursos destinados para construção dos empreendimentos. O montante ajuda a destacar Santa Catarina no setor, que só perde para o Paraná, Minas Gerais e a região Amazônica na produção de energia elétrica no país. Aqui, 12,3% do recurso gerado vem de PCHs e CGHs.

PCH Coração, em construção em Águas Frias, ao custo de R$ 30 milhões, vai gerar 4,6 MW

     De olho no mercado que viu crescer  abertura de crédito para o setor e tornou mais ágeis as licenças ambientais, não faltam empreendedores. No município de Águas Frias, de apenas 2 mil habitantes, distante 50 quilômetros de Chapecó, um novo modelo de negócio busca encurtar caminhos para a construção das PCHs e CGHs. Um grupo de investidores criou uma Sociedade de Propósito Específico (SPE Brasil Sul Energia) para tornar os agricultores, donos das terras atingidas, sócios das centrais geradoras. A estratégia elimina uma das etapas mais conflitantes e caras do processo, a desapropriação, e, mesmo entre incertezas e garantias, tem ganhado adeptos.
     Isso porque, com os donos dos pontos onde há intenção de construir as obras junto na sociedade, é mais fácil para a SPE vencer a concorrência para explorar os locais. Por outro lado, é uma promessa de ganho financeiro a médio e longo prazo aos produtores.
     - Quem apresentar mais áreas de terras no projeto à Aneel (Agência Reguladora de Energia Elétrica), leva, porque é um procedimento a menos. Também é um forma de inclusão, não de imposição. Sinaliza interesse social, além do econômico - argumenta Rousty Rolim de Moura, presidente da Brasil Sul Energia, cujos pai, Rui, já falecido, e tio, Ricardo Rolim de Moura, foram precursores da modalidade no município em 2009.
     - Estudamos o negócio e adquirimos expertise por entender que o setor é a bola da vez. Não há desenvolvimento sem energia - projeta Rousty, que largou o Direito para administrar a SPE.
     Quando Rui era prefeito do município, explica Ricardo, percebeu o mercado porque diversas usinas queriam se instalar na cidade.
     - Pensamos: por que não trazermos o modelo para que as pessoas daqui possam investir? Aí o dinheiro gira aqui, o município e a região se desenvolvem - afirma Ricardo, que agora ocupa o cargo que era do irmão na prefeitura e conta com o retorno do Imposto Sobre Serviços (ISS) e Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) gerados pelas obras no município.
     A Brasil Sul Energia, gerida por Rousty e pelo grupo de sócios, tem diretoria técnica, conselho administrativo e fiscal. Gerencia três subsidiárias na Bacia do Rio Burro Branco, que corta os municípios próximos, uma PCH e duas CGHs, que juntas somam investimento de R$ 83,5 milhões e capacidade de geração de 12,2 megawatts (MW).
     Há outras cinco PCHs na Bacia do Rio Chapecó que, junto às anteriores, totalizam 200 investidores (50 deles agricultores), R$ 665 milhões em investimentos e 134 MW gerados, suficientes para abastecer 156 mil unidades consumidoras por um mês. Apenas duas estão gerando energia. As demais têm prazo para começar até 2022.


     O morador da Linha Suspiro, em Nova Erechim, produtor de leite e aves, Eraldo Piovesan, aguarda a licença ambiental da PCH Riu Chapecó para permutar os dois dos 14 hectares de terras atingidos pela barragem. Quando isso acontecer, ele se torna sócio com 0,5% das cotas do empreendimento, cujo custo é de R$ 130 milhões com capacidade estimada em 23 MW. A PCH tem 118 investidores, 20 deles agricultores como Eraldo.
     A promessa de ganho semestral de até 1,5% do valor investido motivou Eraldo a tornar-se sócio de outros sete empreendimentos com expectativa de ganhos de até 30 salários mínimos em 10 anos. Ele investe R$ 5 mil mensais em cotas à espera do retorno. Por enquanto, apenas uma das PCHs investidas está distribuindo lucros, a Pito de Campos Novos, que passou a gerar energia em 2016. A distribuição é anual e pode se tornar semestral em três anos, de acordo com a Sociedade Brasil Sul Energia.
     - No ano passado, a Pito deu lucro de R$ 1 milhão, pagando o financiamento: R$ 400 mil foram rateados entre os investidores e R$ 600 mil destinados para fundo de reserva - destaca Eraldo, que diz ter recebido mais de quatro salários, valor ainda baixo devido à amortização dos juros do financiamento.
     É que todos os empreendimentos têm 65% do custo financiado ao juro de 12,6% ao ano pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), via Banco Regional de Desenvolvimento do Extremos Sul (BRDE), com prazo de 20 anos para pagar, dos 30 da concessão.
     - Os primeiros anos serão de menos lucros por isso. O retorno é gradativo e depois de quitado o financiamento chega a até 1,5% do valor investido - estima o presidente da Brasil Sul Energia, Rousty Rolim de Moura.
     Para Piovesan, que com a esposa e o filho criam 10.500 frangos por lote e têm 30 vacas de leite, mesmo sem valor e prazos exatos de retorno, o investimento vale a pena:
     - Vejo uma possibilidade de se aposentar mais cedo, de conseguir uma renda extra, uma aposentadoria maior e vitalícia. Outra PCH, a Santo Antônio deve gerar lucro de R$ 5 milhões mensais. Um por cento disso dá R$ 50 mil por mês. O custo da cota é de R$ 250 mil. É uma ótima taxa de retorno.

CGH Aparecida, construída em três hectares que pertencem aos agricultores Sidani e Sadi Dalpiva, já gera energia em Jardinópolis e ainda divide espaço com criação de gado

     O casal de agricultores de União do Oeste, Sidani Dalpiva e Sadi Dalpiva também permutou a área de terra para se tornar investidores. Eles venderam os três hectares para abrigar a Casa de Força da CGH Aparecida, construída no município vizinho Jardinópolis. Receberam R$ 78 mil em dinheiro e investiram os R$ 40 mil restantes nos nomes dos dois filhos. Sobraram ainda 4,5 alqueires que servem para criação de gado.
     Os dois moram em União do Oeste e devem receber em fevereiro do ano que vem a primeira parcela da distribuição da CGH, que começou a gerar energia em novembro.
     Nestes dois meses de operação, a CGH Aparecida gerou em média R$ 241,9 mil de receita mensal. Cerca de 20% fica para despesas com operação, manutenção e financiamento.


   Há dois anos, o governo do Estado lançou o programa SC+Energia para incentivar os investimentos em geração de eletricidade de fontes limpas e renováveis e anunciou a contratação de 28 novos servidores na Fundação do Meio Ambiente (Fatma) para agilizar as licenças ambientais, além de crédito de R$ 1 bilhão do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremos Sul (BRDE) para financiamentos das obras. De acordo com a instituição, deste então, foram liberados R$ 195,5 milhões para construção de PCHs e CGHs no Estado em 19 contratos. Destes, 11 empreendimentos e R$ 134 milhões foram para o Oeste.
     Segundo Felipe Castro do Couto, gerente de planejamento do BRDE no Estado, a fonte dos recursos é o BNDES.
     Já a Fatma, até 2015 tinha 400 pedidos de licenças para construção de PCHs e CGHs no Estado. De lá para cá, recebeu mais 61 requerimentos de Licença Ambiental Prévia (LAP), que é a primeira no processo de licenciamento. De acordo com o órgão, o Estado tem 120 PCHs/CGHs com licenças válidas para operação, 63 para construção e sete para ampliação. Na fase de viabilidade (LAP), há 68 licenças.
     Segundo a diretora de licenciamento da Fatma, Ivana Becker, há uma demanda grande no Estado para construção de CGHs, pelo potencial hidrelétrico e por tamanho e impacto ambiental menores. Para agilizar as licenças, a Fatma descentralizou o processo de licenciamento para as coordenadorias regionais, com apoio da sede.
     - Temos muitas demandas, mas procuramos dar atenção às licenças para PCHs/CGHs porque a geração de energia é importante para o Estado. A descentralização dos processos tem dado mais agilidade ao trabalho.


     Enquanto a defesa dos investidores do Oeste está no menor impacto ambiental causado pelas PCHs/CGHs, na inclusão dos proprietários de terras e na promessa de desenvolvimento regional, o doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Fronteira Sul (UFFS), Humberto José da Rocha, defende que o assunto merece mais debate.
     Segundo Rocha, que há 10 anos estuda os impactos da geração de energia no país, SC está entre os principais estados na geração de energia e se destaca como um dos maiores do país quando o assunto é PCHs, especialmente o Oeste. Pela geografia, relevo acidentado e quantidade de água.
     Rocha afirma que investir na construção de PCHs e CGHs virou tendência na região, pelo fato das usinas hidrelétricas já terem atingido a fronteira. Mas para ele, o real impacto, a inserção de agricultores e a promessa de desenvolvimento regional merecem melhor análise.
     - Sob o aspecto ambiental, o rio Chapecó, por exemplo, tem capacidade para construir uma grande usina hidrelétrica, mas também tem para várias pequenas. Inclusive há projeto para a construção de nove PCHs só neste rio. A pergunta é: será que empilhar nove PCHs não é parecido com construir uma usina? Daqui a pouco teremos uma sucessão de lagos sem peixe. É preocupante - alerta.
     O questionamento se alinha à incerteza do desenvolvimento regional destacado pelo professor. Num dos estudos que o especialista desenvolveu, é comparado o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios com usinas em relação aos que não têm nenhuma.
     - O desenvolvimento é o mesmo, com ou sem usina, exceto nos municípios que recebem ICMS. Nos outros, o retorno não compensa o impacto da perda das terras. Ou seja, não há crescimento.
     Rocha recomenda verificar caso a caso e cautela na hora de avaliar vantagens e desvantagens do investimento dos agricultores, principalmente o custo e a forma de rateio do retorno financeiro:
     - As grandes empresas geradoras de energia têm know-how, lobby político, dinheiro público para investir e produção já comprada. O agricultor tem o que eles não têm, o recurso natural, o rio. Essas empresas, tendo o dono, facilitam sua entrada na região e pulam o processo de encarar manifestações sociais diante das desapropriações. Vejo como estratégia para pular as indenizações.

CGH - Centrais de geração hidráulica, cuja capacidade máxima gerada é de 5 MW (megawatts). Não precisa concessão.

PCH - Pequenas centrais hidrelétricas, cuja capacidade gerada é entre 5 MW e 30 MW. Concessão do governo por 30 anos.

UHE - Usina hidrelétrica com capacidade gerada acima de 30 MW. Precisa de licitação.


     Abrangem 12 municípios: Águas Frias, União do Oeste, Jardinópolis, Coronel Freitas, Marema, Quilombo, Nova Erechim, Modelo, Sul Brasil, Pinhalzinho, Nova Itaberaba e Campos Novos.


Fonte: Jornal de Santa Catarina - De ponto a ponto - 13 e 14/01/2018 - p. 1, 4 e 5
Texto: Keli Magri (interina) - keli.magri@somosnsc.com.br
Imagens: Angélica Lürsen - Especial

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